Impostos, transparência e cidadania

Foi para tornar explícito esse financiamento que apresentei recentemente, no Senado, o projeto de lei 195, que estabelece a obrigatoriedade de constar na apresentação de mercadorias e serviços a dimensão sobre consumo dos impostos (ICMS, PIS e Cofins) inseridos no seu preço final.

O principal objetivo do PLS 195 é ampliar o acesso e o conhecimento dos cidadãos sobre seus tributos. O passo seguinte à visibilidade dos valores desembolsados na aquisição de mercadorias e serviços é saber como são gastos esses tributos, por isso o PLS 195 está diretamente relacionado ao projeto de lei complementar nº 130 (ou Projeto Transparência). Apresentado por mim em 2003, o Projeto Transparência -aprovado pelas comissões técnicas e pronto para ser votado pelo plenário do Senado, com pedido de urgência subscrito por todos os líderes de bancada- prevê a imediata disponibilização, pela internet, das receitas e despesas de todas as instâncias do setor público brasileiro. Vale para a União, os Estados e os municípios, assim como para o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

    Ao se sentir financiador do Estado, certamente o cidadão vai fiscalizar melhor os fiéis depositários de seu dinheiro

É importante destacar que o Projeto Transparência não é uma duplicação do sistema conhecido como Siafi, já existente. Diferentemente do Siafi, os dados terão formato simples, de fácil compreensão e acessíveis a todos os cidadãos, sem a necessidade de uma senha de acesso. Em sua prestação de contas devem constar, quanto à despesa, todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, informando-se, no mínimo, os dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado. Quanto à receita, o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referentes a recursos extraordinários.

Não se trata de algo impraticável. Ao contrário. Já existe uma experiência sólida nesse sentido. Quando governador do Amapá, minha equipe criou e implantou esse sistema. Hoje, as contas públicas do Amapá estão na internet e podem ser acessadas no site www.amapa.gov.br. O Ministério da Ciência e Tecnologia acompanhou esse exemplo e está igualmente prestando contas em seu site www.mct.gov.br.

Com a aprovação do PLS 195, que prevê a divulgação dos impostos sobre consumo incidente nas vendas de mercadorias e serviços, alcançar-se-ia um aspecto essencial da transparência: a devolução ao cidadão da consciência de que ele paga e sustenta a máquina estatal, sobretudo aos isentos de Imposto de Renda, que, por isso, não se sentem contribuintes, ignorando que pagam tributos consideráveis a cada produto que adquirem. Para ter uma idéia, na compra de uma caixa de sabão em pó, 42% do valor do produto é imposto; na energia elétrica consumida, 45,81% do valor pago vai para o governo; na água tratada, o imposto é de 29,83%.

Ao se sentir financiador do Estado, certamente o cidadão vai fiscalizar melhor os fiéis depositários de seu dinheiro, exigindo as notas fiscais devidas, e vai querer acompanhar -pela internet- o que o Estado faz com o dinheiro que dele tirou, cobrando-lhe contrapartida. Afinal, é o contribuinte que financia o Estado com o seu trabalho, como bem mostrou editorial da Folha no dia 13/8 sobre o PLS 195. Para que se possa de fato viver em uma República democrática, é necessário que se tenha a informação completa sobre os recursos públicos, da ponta da arrecadação até a ponta da aplicação desses recursos.

Os brasileiros costumam reclamar da carga tributária que suportam. Efetivamente, uma carga correspondente a cerca de 40% do PIB é bem elevada. A preocupação, senão de todos, ao menos de uma significativa maioria, é pagar menos impostos. Alguns o conseguem, e por isso mesmo criou-se a estranha expressão “elisão fiscal”, que poderia ser traduzida como sonegação legalizada, uma óbvia contradição em termos.

Seja como for, caso reorientássemos nossos esforços para que, antes de tentarmos driblar os tributos, passássemos a saber em que é aplicada sua receita e a lutar para influenciarmos de maneira mais eficaz essa aplicação, certamente todos ganhariam. Ganharia o Estado, com o aumento de sua eficiência em razão da previsível redução da corrupção e do desperdício, e ganhariam os cidadãos, que teriam como orientar a ação estatal em função de suas reais necessidades e que, enfim, receberiam os serviços de qualidade que a atual carga tributária possibilita se for corretamente aplicada.

 

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