Chatos, porém fundamentais: O orçamento e a contabilidade.

No Brasil temos três esferas de poder para gerir o orçamento público, representadas pelo prefeito de nossa cidade, pelo governador de nosso estado e pelo presidente da república. É para as mãos deles que vai inteirinho, quase cinco meses de salário de cada doze meses que trabalhamos.

É bom lembrar que a Inconfidência Mineira aconteceu no Brasil Colônia, quando a Coroa Portuguesa decretou a Derrama, dobrando a cobrança dos impostos sobre o ouro produzido em Minas Gerais, de dez para vinte por cento. Tiradentes liderou a rebelião e pagou com a vida. Nos dias de hoje pagamos contrariados, porém sem coragem de nos rebelar, quase quarenta por cento de tudo que ganhamos.

Posso afirmar: É muito dinheiro em poucas mãos e sem muito controle. Quem dentre nós alguma vez na vida se interessou em dar uma olhada no Orçamento da prefeitura da sua cidade ou do seu Estado? Quem, por acaso, gastou alguns minutos lendo um balancete, desses que se publicam nos jornais de nossa preferência ou no Diário Oficial? Quem então já se interessou em saber em que e como está sendo aplicado o imposto que pagamos compulsoriamente e diariamente aos cofres públicos? Poucos, com certeza.

Orçamento e contabilidade, assuntos considerados chatos e reservados a especialistas, contam histórias que têm a ver com nosso sofrido cotidiano. Na minha rua, por exemplo, tem lama no período chuvoso e poeira na estiagem, não tem rede de esgoto e o abastecimento de água é precário. No entanto, meus vizinhos reclamam com resignação e esperança de que um dia Deus olhe por todos nós, esquecem do pesado fardo dos impostos que pagam, não têm a menor idéia sobre orçamento, contabilidade, receita ou despesa pública, quase ninguém se interessa por esses temas, até mesmo pessoas que por dever de ofício, como é o caso de vereadores e deputados, quando questionados, encontram dificuldades em explicar o significado de cada receita ou de cada despesa inscrita nas duas peças.

Quem quiser tirar a limpo a questão pode procurar um vereador do seu município e perguntar a ele quanto à prefeitura dispõe esse ano para gastar com saúde ou educação. Arrisco adiantar a resposta, pois já fiz o teste em vários lugares espalhados pelo Brasil afora:

    É… bem.. Vejamos! Não, não estou bem lembrado no momento…, mas o meu assessor…! Conclusão: O vereador, mesmo tendo votado pela aprovação do orçamento destinado a cobrir os gastos com duas atividades fundamentais, não consegue responder a questão.

Digo mais, poucos são os deputados estaduais ou federais capazes de discorrer com segurança sobre o orçamento, quase sempre recorrem aos assessores em busca da resposta com a justificativa que se trata de um assunto muito especializado, quase um quebra-cabeças, ou seja, assunto de poucos que, no entanto, diz respeito a todos.

A verdade é que o poder das pessoas, tanto públicas quanto privadas se mede pelo tamanho do orçamento que elas administram, basta colocar em uma coluna o nome do presidente dos Estado Unidos da América, do presidente do Brasil, do governador de São Paulo e do governador do Amapá, e, em outra coluna ao lado, os valores de seus respectivos orçamentos, é abissal a diferença de valores e de poder entre um e outro. No entanto, além de um poderoso instrumento de poder, podemos concluir com absoluta segurança que o orçamento é o grande instrumento para realização de políticas coletivas ou de sua negação.

Definitivamente, o orçamento que é resultante do esforço e da contribuição de todos termina nas mãos de poucos que criam leis cada vez mais complicadas, organizam instituições controladoras cada vez mais fechadas e especializadas, que codificam e reservam pra si as informações, dificultando a compreensão e o acompanhamento do contribuinte, que banca tudo e todos. Resignados, resta ao contribuinte à esperança de ser lembrado por Deus e torcer para que um dia a rede de esgoto e o asfalto cheguem à porta de sua casa.

 

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Comissão da Anistia pede desculpas pelo 2º exílio político de Capi

Oliveira desculpou-se pela morosidade do poder judiciário que retardou a posse do senador João Alberto Capiberibe, provocando o 2º exílio político do amapaense, afastado do mandato no Senado Federal durante seis anos, desde 2005. O pedido foi dirigido também à deputada Janete. O governador da Bahia Jaques Wagner endossou o pedido de desculpas ao casal Capiberibe.

Eleita a deputada federal mais votada do Amapá pela 3ª vez consecutiva, com 28 mil 147 votos, Janete só tomou posse em 13 de julho. João Capiberibe recebeu 130 mil 411 votos e tomou posse apenas dia 29 de novembro, mais de um ano após ter sido eleito e 10 meses depois de iniciada a legislatura.

Os políticos amapaenses tiveram seu primeiro exílio político entre 1971 e 1979, durante a ditadura militar; foram anistiados e receberam o pedido formal de desculpas do Governo brasileiro no início deste ano. A portaria foi publicada no Diário Oficial da União em 1º de fevereiro.

Na Bahia, participaram nesta segunda, 5, da 53ª Caravana da Anistia, que concedeu a anistia “post mortem” a Carlos Marighella, no centenário de nascimento do líder comunista. O “inimigo número um” da ditadura liderou a Ação Libertadora Nacional – ALN e foi morto em uma emboscada dos militares, dia 04 de novembro de 1969. João e Janete Capiberibe integraram a ALN. No julgamento feito pela Comissão da Anistia, Capiberibe foi testemunha a favor de Carlos Marighella, junto com a viúva do comunista Clara Charf .

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João Capiberibe toma posse como senador pelo Amapá

Depois de ser conduzido à mesa do Plenário pelo senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), e ter sua posse declarada, Capiberibe fez seu primeiro discurso no novo mandato. Ele já havia cumprido parcialmente um mandato de fevereiro de 2003 a dezembro de 2005.

Em 2002, João Capiberibe e sua mulher Janete Capiberibe, que era deputada federal, foram acusados da comprar dois votos por 26 reais cada. Foram absolvidos pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Amapá no processo movido contra eles pelo PMDB, mas acabaram tendo o mandato cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em 2006, Capiberibe concorreu ao governo do Amapá pelo PSB, mas perdeu em primeiro turno para Waldez Góes, do PDT. Em 2010, foi candidato ao Senado, mas teve sua candidatura impugnada por força da Lei da Ficha Limpa, em decorrência da cassação em 2004. Seu filho, Camilo Capiberibe, acabaria por eleger-se governador do Amapá.

Capiberibe foi o segundo candidato a senador mais votado nas eleições de 2010 em seu estado, com mais de 130 mil votos, ficando atrás apenas de Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que obteve mais de 200 mil votos. Com a impugnação pela Ficha Limpa, tomou posse Gilvam Borges (PMDB-AP) que, licenciado, vinha sendo substituído pelo 1º suplente, seu irmão Geovani Borges (PMDB-AP). este se despediu na semana passada do Senado.

Capiberibe disse que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou seu mandato em 2004 “tendo como única prova” dois depoimentos que o acusavam de comprar votos por R$ 26. Ele disse que essa “história rocambolesca” custou a ele e a sua esposa seus mandatos, mesmo inocentados pelo TRE.

– Há seis anos, desta tribuna, eu me dirigi a um Plenário atônito, atropelado pelos fatos. Estava sendo expurgado do mandato de senador por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. Lembro que a tensão e o odor de conspiração dominavam o ambiente. Hoje o clima é outro – disse.

Neste ano, a Lei da Ficha Limpa foi considerada inaplicável ao pleito de 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, Capiberibe conseguiu o direito de tomar posse no Senado, sendo diplomado em 14 de novembro pelo TRE-AP. Ele já exerceu mandatos como prefeito de Macapá e também como governador do estado.

Capiberibe afirmou da tribuna que nesta terça-feira (29) chegava ao fim seu “segundo exílio político”. Lembrou da perseguição sofrida por ele e sua esposa, a atual deputada federal Janete Capiberibe, durante a ditadura militar iniciada em 1964 que impôs a eles seis anos de prisão. Ficaram presos 11 meses e seguiram para o exílio “no Chile do inesquecível companheiro Salvador Allende”.

Em seu discurso, o senador fez referência especial aos colegas Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e Lídice da Mata (PSB-BA), mas não se esqueceu de cumprimentar os colegas de bancada.

– Também gostaria de cumprimentar o senador José Sarney e o senador Randolfe Rodrigues, a quem me junto, a partir de agora, para compor a representação do meu querido estado do Amapá – disse.

Capiberibe disse ainda ser de conhecimento público suas divergências políticas com o senador José Sarney, mas afirmou que nada vai atrapalhar a união da bancada do Amapá em prol dos interesses do estado.

– Confesso que, independente das divergências políticas e ideológicas que possamos ter, vamos trabalhar pelo Amapá acima de tudo. Não vou negar: é notório que existem diferenças com meu colega de bancada, senador José Sarney. Mas devo admitir que, para atender às demandas do povo que nos elegeu, isso não será um obstáculo. Vamos juntos definir um plano de ação da bancada e agir de forma articulada junto à presidente Dilma e ao governo federal – garantiu.

O senador lembrou ainda que é de sua autoria o projeto de lei que, depois de aprovado pelo Senado e pela Câmara, foi transformado na Lei Complementar 131/2009, a Lei da Transparência, que tornou obrigatória a exposição das receitas e despesas de todos os entes públicos na internet. Avisou também que apresentará nos próximos dias projeto para que os consumidores sejam obrigatoriamente informados dos impostos que incidem sobre bens e serviços.

Ao final de seu discurso, Capiberibe prestou homenagem ao ex-governador pernambucano Miguel Arraes e a Danielle Miterrand, viúva do ex-presidente francês François Miterrand falecida recentemente.

Depois do discurso de Capiberibe, os senadores Rodrigo Rollemberg, Marinor Brito (PSOL-PA), Randolfe Rodrigues, Marcelo Crivella (PRB-RJ), Antônio Carlos Valadares, Lídice da Mata e Humberto Costa saudaram e comemoraram o retorno do colega à Casa.

Augusto Castro / Agência Senado

 

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O cavalo que saiu do poço

Iniciada em 1973, com uma grande concentração de homens e máquinas em gigantescos canteiros instalados em três pontos diferentes, separados entre si por milhares de quilômetros de floresta, um no Amapá, outro em Roraima e o terceiro no Acre, era uma loucura que não foi longe.

Mas, o tamanho do estrago não foi pequeno, que o digam os povos indígenas viventes nas áreas por onde a insanidade começou.

Anos depois, conheci as duas pontas da estrada que felizmente não se uniram, a do Acre, onde passei uma temporada, e a do Amapá, onde vivo.

Causa-me arrepios, só de pensar nas consequências ambientais caso esse projeto tivesse se consumado. Se a Amazônia perdeu 17% de sua cobertura florestal sem essa estrada, com ela conclusa, essa cifra no mínimo dobraria.

Na minha volta do exílio, no início dos anos 80, acompanhei de perto o drama dos Waiãpi, na verdade do que restou deles, depois da invasão de seu território pelas máquinas vorazes e pelas doenças trazidas pelos homens da Mendes Jr, empresa contratada para executar o trecho onde eles viviam isolados do mundo selvagem dos brancos.

O genocídio desse povo não teve eco nos anos de chumbo, nem tão pouco na democracia. Permanece no esquecimento, assim como o dos Ianomâmi em Roraima.

Desculpem o longo interregno, mas quem vive na Amazônia não pode deixar de comentar tamanha insensatez.

Agora retomemos a visita à granja do Claudio.

Eu não estava só, compúnhamos uma intrépida trupe, que desafiando o senso comum de que política só se faz com muito dinheiro, insistíamos em levar adiante a candidatura de um jovem deputado estadual, de primeiro mandato, ao cargo de governador do Amapá, além claro da minha ao Senado e a de Janete, minha companheira de vida e de luta, à Câmara Federal. O que sobrava de ousadia, disposição e entusiasmo faltava em dinheiro. Peregrinávamos de porta em porta, em campanha eleitoral, falando de nossos projetos e pedindo votos de confiança.

Chegamos na granja de Cláudio. Alguém abriu a porteira. Nossos carros assustaram os cabritos que pastavam nas laterais da estradinha de terra batida.

Ele nos viu de longe, largou o que estava fazendo, veio em nossa direção e antes de me cumprimentar, exclamou:

– Você é o cavalo que saiu do poço!

Confesso que me assustei. Ser chamado de cavalo na chegada não parecia uma maneira cordial de ser recebido.

Em seguida, Claudio apertou a minha mão e me abraçou. Virou-se aos demais e lhes disse:

– Um fazendeiro, depois de fazer de tudo para retirar um cavalo que caíra no poço da fazenda, desanimou e decidiu enterrar o animal ali mesmo. Com uma pá foi jogando terra dentro do poço. A terra caia no lombo do animal que se sacolejava todo fazendo deslizar a terra, ao mesmo tempo em que a pisoteava com seus cascos. Ao final, quando o fazendeiro menos esperava, o cavalo emergiu do fundo do poço. É isso aí. Você Capi, é o cavalo que vai sair do fundo do poço nessas eleições, só que em vez de terra, seu alicerce será os votos conscientes do povo do Amapá.

Pois olhem!

Não é que a profecia de Cláudio se concretizou, o protagonismo popular não se fez de rogado, o jovem candidato Camilo, que também é meu filho, foi eleito governador, eu senador e sua mãe deputada federal.

Mas, como dizia o poeta Drummond, no meio do caminho tinha uma pedra, pedregulho esse que em alguns momentos imaginei irremovível. Mas Deus não dorme, e finalmente, a norma que mudou a regra do jogo no segundo tempo da partida (Lei da Ficha Limpa), por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), não se aplicaria nas eleições de 2010, confirmando a vontade soberana e generosa do povo do Amapá, ou nas palavras de Claudio, transformando-me no cavalo que emergiu do fundo do poço.

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Impostos, transparência e cidadania

Foi para tornar explícito esse financiamento que apresentei recentemente, no Senado, o projeto de lei 195, que estabelece a obrigatoriedade de constar na apresentação de mercadorias e serviços a dimensão sobre consumo dos impostos (ICMS, PIS e Cofins) inseridos no seu preço final.

O principal objetivo do PLS 195 é ampliar o acesso e o conhecimento dos cidadãos sobre seus tributos. O passo seguinte à visibilidade dos valores desembolsados na aquisição de mercadorias e serviços é saber como são gastos esses tributos, por isso o PLS 195 está diretamente relacionado ao projeto de lei complementar nº 130 (ou Projeto Transparência). Apresentado por mim em 2003, o Projeto Transparência -aprovado pelas comissões técnicas e pronto para ser votado pelo plenário do Senado, com pedido de urgência subscrito por todos os líderes de bancada- prevê a imediata disponibilização, pela internet, das receitas e despesas de todas as instâncias do setor público brasileiro. Vale para a União, os Estados e os municípios, assim como para o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

    Ao se sentir financiador do Estado, certamente o cidadão vai fiscalizar melhor os fiéis depositários de seu dinheiro

É importante destacar que o Projeto Transparência não é uma duplicação do sistema conhecido como Siafi, já existente. Diferentemente do Siafi, os dados terão formato simples, de fácil compreensão e acessíveis a todos os cidadãos, sem a necessidade de uma senha de acesso. Em sua prestação de contas devem constar, quanto à despesa, todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, informando-se, no mínimo, os dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado. Quanto à receita, o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referentes a recursos extraordinários.

Não se trata de algo impraticável. Ao contrário. Já existe uma experiência sólida nesse sentido. Quando governador do Amapá, minha equipe criou e implantou esse sistema. Hoje, as contas públicas do Amapá estão na internet e podem ser acessadas no site www.amapa.gov.br. O Ministério da Ciência e Tecnologia acompanhou esse exemplo e está igualmente prestando contas em seu site www.mct.gov.br.

Com a aprovação do PLS 195, que prevê a divulgação dos impostos sobre consumo incidente nas vendas de mercadorias e serviços, alcançar-se-ia um aspecto essencial da transparência: a devolução ao cidadão da consciência de que ele paga e sustenta a máquina estatal, sobretudo aos isentos de Imposto de Renda, que, por isso, não se sentem contribuintes, ignorando que pagam tributos consideráveis a cada produto que adquirem. Para ter uma idéia, na compra de uma caixa de sabão em pó, 42% do valor do produto é imposto; na energia elétrica consumida, 45,81% do valor pago vai para o governo; na água tratada, o imposto é de 29,83%.

Ao se sentir financiador do Estado, certamente o cidadão vai fiscalizar melhor os fiéis depositários de seu dinheiro, exigindo as notas fiscais devidas, e vai querer acompanhar -pela internet- o que o Estado faz com o dinheiro que dele tirou, cobrando-lhe contrapartida. Afinal, é o contribuinte que financia o Estado com o seu trabalho, como bem mostrou editorial da Folha no dia 13/8 sobre o PLS 195. Para que se possa de fato viver em uma República democrática, é necessário que se tenha a informação completa sobre os recursos públicos, da ponta da arrecadação até a ponta da aplicação desses recursos.

Os brasileiros costumam reclamar da carga tributária que suportam. Efetivamente, uma carga correspondente a cerca de 40% do PIB é bem elevada. A preocupação, senão de todos, ao menos de uma significativa maioria, é pagar menos impostos. Alguns o conseguem, e por isso mesmo criou-se a estranha expressão “elisão fiscal”, que poderia ser traduzida como sonegação legalizada, uma óbvia contradição em termos.

Seja como for, caso reorientássemos nossos esforços para que, antes de tentarmos driblar os tributos, passássemos a saber em que é aplicada sua receita e a lutar para influenciarmos de maneira mais eficaz essa aplicação, certamente todos ganhariam. Ganharia o Estado, com o aumento de sua eficiência em razão da previsível redução da corrupção e do desperdício, e ganhariam os cidadãos, que teriam como orientar a ação estatal em função de suas reais necessidades e que, enfim, receberiam os serviços de qualidade que a atual carga tributária possibilita se for corretamente aplicada.

 

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Amazônia da subordinação ativa

Das reclamações da fiel esposa do Coronel pela demora em receber as roupas que mandou lavar em Paris, à cena chocante e grotesca do próprio, sentado a mesa de um luxuoso bordel, acompanhado de uma prostituta “francesa”, queimando uma nota de 500 mil reis para acender seu charuto (certamente a cédula de maior valor na época) constata-se que o dinheiro farto concentrado nas mãos dos coronéis, obtido a ferro e fogo, da exploração brutal da mão de obra do seringueiro escravizado nos barracões, servia para todo tipo de extravagâncias.

Imagine alguém hoje, em vez de usar fósforos ou isqueiro, queimasse uma nota de R$ 100 para acender um charuto! Desperdiçar fortunas em consumo ridículo parece coisa do passado.  É verdade que as roupas finas de nossa elite já são lavadas aqui mesmo, porém, se analisarmos nossa história vamos encontrar algumas semelhanças entre o passado e o presente, entre os senhores de engenho, os barões do café, a elite cacaueira da Bahia e as carvoarias das guzeiras modernas. Ponto comum em quinhentos e sete anos de história, as condições de trabalho dos bóias-frias e suas terríveis conseqüências.

Na verdade a classe dominante brasileira, ao longo de nossa história, acumulou grandes fortunas com base no trabalho escravo dos negros trazidos da África desde o século XXVI, consolidando, dessa forma, um comportamento político-econômico-cultural que Domingos Leonelli, em seu livro “Uma Sustentável Revolução na Floresta”, classifica de vergonhoso fenômeno da subordinação ativa, que fez dessa elite, protagonista de um modelo de desenvolvimento ancorado solidamente na desigualdade social, na dependência externa e no crime ecológico.

Nos tempos retratados pela mini-série, final do século XIX, o Brasil exportava pélas de  borracha de baixíssimo valor agregado. Os barracões tinham de tudo que a época podia oferecer. Os seringais eram abastecidos pelas casas aviadoras, que por sua vez dependiam dos exportadores, testas de ferro do capital externo, que financiavam tudo e mantinham estrito controle de todos os elos da cadeia produtiva. Ditavam o preço da borracha e também obrigavam os seringalistas a comprarem produtos importados dos países donos dos capitais: Inglaterra e Estados Unidos. Em função desse vai-e-vem desigual, matéria-prima rio abaixo, produtos industrializados rio acima, é que  meu amigo Elson Martins conheceu Ludwig Van Beethoven no Seringal Novo Olinda, nas cabeceiras do Rio Yaco. Descobri isso, dividindo com ele um beliche numa república estudantil na Rua Rio de Janeiro, na cidade de Belo Horizonte dos anos sessenta.

Éramos doze moradores, estudantes das mais diversas áreas, onze amantes da música popular e um que só emprestava seus ouvidos aos acordes da música instrumental clássica européia, justamente o acreano Elson Martins, o dono da vitrola. De tanto ouvir seus discos terminei também educando meus ouvidos aos sons de violinos e violoncelos, entretanto, só vim saber mesmo onde ele educou os seus, no finalzinho do século vinte. Atravessamos momentos difíceis, ditaduras, clandestinidade, fugas, prisões e exílio, às vezes escapando por um triz, mas sobrevivendo; às vezes na mesma cidade, outras vezes nos perdendo de vista, porém sempre um sabendo do outro e a amizade vicejando no tempo.

Seu pai, Francisco Martins, cearense que subiu o rio em busca de fortuna, terminou se dando bem: de agricultor que abastecia o seringal Nova Olinda virou dono. Isso aconteceu, segundo versão do Elson, em função do declínio da borracha, quando a Malásia inundou o mercado com borracha produzida pelos seringais tecnicamente cultivados, pegando os coronéis de barranco amazônicos mergulhados no atraso, de tal forma que sem saber como encarar os novos tempos, bateram em retirada, deixando os seringais em crise nas mãos de seus capatazes. Seu Francisco assumiu o negócio em plena decadência, ainda assim os métodos da dominação e subordinação não abrandaram. Era obrigado a receber, sem que tivesse encomendado, vitrolas RCA Victor movida à corda, acompanhadas de pilhas e pilhas de disco de Beethoven, Mozart, Bach, Vivaldi, Chopin, enfim, dos grandes compositores da música instrumental clássica. Seu Francisco bem que não se importaria de passar adiante aquele estranho produto da modernidade industrial, porém, a quem interessaria naqueles confins? Os seringueiros não queriam ouvir falar do tal aparelho, muito menos das músicas que saiam dele. Os discos encalhados ficaram esquecidos num canto escuro do barracão até serem descobertos pelo quase adolescente Elson Martins, que passou a ouvi-los com paixão por toda a vida.  Parece cômico se não fosse trágico, lembrar dessa forma, um episódio claro de dominação cultural, que também se reproduz na política e na economia, nos condenando a viver angustiados em uma sociedade profundamente marcada pela desigualdade social.

Ainda que a mini-série passe ao largo de tantas outras tragédias, como é o caso do genocídio dos povos indígenas, ainda assim, a rapinagem e a brutalidade do modelo de exploração dos recursos naturais da Amazônia saltam aos olhos dos telespectadores. Na seqüência, Chico Mendes entrará em cena, sua luta e seu fim trágico certamente provocarão grandes emoções, no entanto, as tragédias se repetem com vergonhosa freqüência, os tiros que abateram  Dorothy Stang ainda ecoam em nossos ouvidos, a tragédia de hoje talvez aconteça antes de concluir esse parágrafo, a cada dia novos mártires tombam em defesa da floresta, que por sua vez continua sendo derrubada e queimada, indo fazer companhia a seus novos mártires.

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